quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Antologia "Poemas do Avesso e da Ingenuidade" (autoral)

Antologia "Poemas do Avesso e da Ingenuidade" (autoral).

Índice

1- Acaso
2- Acredito
3- A diferença
4- Ao longe
5- Amor ausente
6- Avança, tempo!
7- Boca
8- Carícias
9 - Ciúme
10 - Conveniência
11- Criança de seis anos e eu
12- Do diálogo com meu pai
13- É
14- Embolamundo
15- Ferrugem
16- Fim do mundo
17- Floripa
18- Folha morta
19- Lembra
20 -Lembra (II)
21- Mamãe-televisão
22- Neste mundo
23- Onde está deus
24- O pescador de palavras (Em silhueta)
25- Rio
26- Ruy Guerra
27- Porquanto 
28- Saudade


1- Acaso 
Quando eu era bem menino,
Do mundo eu queria saber
Nenhuma brecha pro destino
No caos eu queria viver

Quando cheguei bem moço e olhei para trás.
Vi meus sinais deixadas na estrada,
E as marcas (da própria estrada) em mim
Alegre, ri de mim, nada poderia ser diferente.

Sei que o acaso é o acaso – faz o que deve fazer,
Não escolhe o caso – e que o destino
O escolhedor de acasos
é algo de que não se foge

Por mais que exista o que não existe –
Nada jamais poderia ter sido de outra maneira.

2- Acredito
Acredito nas leis que nos regem
Regem feito animais
O mais forte vence
O mais inteligente consegue
Estamos aqui para trabalhar e nos esforçar
Para ou outros deixar para trás

3- A diferença
 Assoalha-me a incredulidade, com
Água fria
Vejo o momento que passa e a vida que escorre, em pingos,
pelo meu rosto.
Comprei no mercado um éden de marmota
Não brindarei em outro mundo.
Sinto-me uma tentativa.
Tentativa de recriar, recriação da terra.
Voltarei a ser terra.
Passei
Economizando sorriso e exaurindo alegrias
Sonhando com o guardado aos anjos terrestres
Acordado pela água gélida
Vivo, acordo e amo agora
Com urgência de vida e morte.

4- Ao longe
De longe eram somente bocas,
De perto pareciam sorrisos

De longe eram apenas pessoas
De perto é minha família

De longe era saudade
De perto, realidade

5- Amor ausente
Não posso antes de dormir
Lembrar de tuas carícias nem
Do jeito que vc sorri

Não posso lembrar dos momentos,
Dos teus cheiros, e da luxúria
que vivemos aqui..

Não posso porque adentras meus
Sonhos, sinto sua mão pequena
Em meus ombros e sua voz
Saindo das sombras 

6- Avança, tempo!
Avança, avança!
O tempo passa lento,
Na relatividade temporal.
Como um canto ou um lamento.
Da preta velha, do capoeira, do navio,
Da caravela.
Lamento do vento frio, que passa
Pelas frestas da janela.
Lamento do peixe fisgado, que, em vão,
Se debate sobre a terra.
Como um grande lamento que se arrasta,
A cada segundo espera o segundo que espera
Espera, lamento, caravela, janela, terra.
Avança, tempo!

7- Boca
Minha boca incansavelmente luta
Para sair do corpo
Já disse que não fala, não come, não engole.
Quer sair à procura de sua pele
E beijar, beijar, beijar.


8- Carícias
Não posso, antes de dormir,
Lembrar-me de tuas carícias, ou do
Jeito com que você sorri.

Não posso me lembrar dos momentos,
Dos teus cheiros e da luxúria
Que vivemos aqui

Não posso porque adentras meus sonhos
Sinto sua mão pequena em meus ombros
E sua voz saindo das sombras

Não posso acordar frustrado
Sei que no momento não posso estar ao seu lado
Mas guardo este lamento
De um sonâmbulo apaixonado

9- Ciúme
Uma larva esgueira,
Pequenina, esgueira amiúde.
Grande carapaça branca, se esconde
Fortificada.

Uma larva penetrando,
Penetra, penetra,
Penetra,
Penetra perfazendo galerias profundas
Entradas vazias
Saídas prontas
Um sopro desfaz o sólido.

10- Conveniência
Padaria e pão fresco
Mão e precipício
Conveniência
O filho pegou no sono
No feriado
No dinheiro achado
Conveniência
Amizade chega e some
Sem alarde

11- Criança de seis anos e eu
 Eu tenho medo do escuro.
Mas somente do meio-escuro, do escurinho, quando já está tudo escuro eu perco o medo.
Quando tenho medo fico que nem cachorrinho.
Nhéu, nhum, nhem.
E você, tem medo de que?
Eu, deixa-me pensar.
Tenho medo de mim mesmo.
De si? Como assim?
É, de mim mesmo.
Então sei como te ajudar.
Agarrando-me pela mão Maurílio me levou até o espelho e falou.
Olha, olha.
Rio e tento sair.
Ele continuou:
Olha, olha.

12- Do diálogo com meu pai

Eu falo A
Você entende Z
Enquanto eu converso
Você liga a TV
Fugindo, fungindo,
Querendo apenas ser

13- É
Sou vagante passageiro
Não tenho rumo nem meta
Sou simples, sou
Poeta

Dou de cara com a parede
Para curar meus devaneios
Para viver, precisa-se de
Meios

Minha socada cara cansa
De viver na terra, não vê a hora de mergulhar
(à própria sorte)

Se livrar de toda pujança
Que no meu corpo é
Preciso viver a  morte

14- Embolamundo
No mundo vou m´embolando
Brincando com suas teias
Jogando-me nos caminhos
Correndo por suas veias

Num eterno traça e desembaraça.
Nuns dias caçador, noutros, caça.
No encontro e desencontro,
Sinto que já não tenho casa

Minha casa é o mundo e dele
Não preciso de muito,
Preciso de nada

Eu e o mundo,
Solitários numa praça, tomando um grande gole
De uma boa cachaça


15- Ferrugem
Ferros enferrujados com a
Avermelhada fuligem da
Ferrugem marcados pelo tempo
Fatigante

Cores avermelhadas como brasa
Contaminam nobres canos, vigas,
Acontecendo-se e cedendo ao tempo
Incessante.

Velando a vontade de firmeza
E a franqueza da velhice no
Sorriso e na ternura no tempo
Distante

16- Fim do mundo
Quando eu tinha cinco anos
O mundo se acabaria em breve
Comunismo e bomba atômica
Tinha medo de não ver o mar

Quando eu tinha vinte anos
O mundo colidiria com asteróide lunar
Lenda maia previra o fato certo
Não veria brincar meu neto

Quando eu tinha quarenta anos
Ttinha filhos e o juízo final
Já acontecera tantas vezes
Sempre na dimensão pessoal

Hoje com oitenta o mundo não acaba,
Se sustenta, qual menino desnutrido,
Feio, magricela, observando à tudo,
Na prisão de sua cela.


17- Floripa
Cidade carnal
Não conquista – domina
Imposta beleza deglutida sob pressão

Altos morros indiferentes
Crispas ondas soberbas

18- Folha morta
Ah, folha morta,
Tu já foste vida, já
Supriu uma árvore torta
Acordou orvalhada no
Início de uma manhã

Tua copa já foi esverdeada
Hoje empalidecida pelo tempo ficou
Caída na estrada

Ah, como já foste vida,
Deste sombra aos animais que vinham
Em seu leito descansar.

Ah, folha morta, trará vida aquele vento.
Que fez-te da árvore ser arrancada
Dançando boleros e tangos,
Ne penumbra da noite enluarada.

19- Lembra 
Entre nós há tanto tempo
Sinto muito tempo
Acumulando
Esforço-me
 [apertando meus olhinhos
Ainda vejo seu rosto,
Pálido, desfigurado
E o tempo continua a crescer
Opacificando cada vez mais
Como uma bruta névoa

20- Lembra (II)
Subindo a fumaça e vendo
O passar das imagens
Ave Maria, Pai Nosso e
Amém
Ainda  lembro seu rosto
  
21- Mamãe-televisão
Quem me chama, com voz doce,
Acaricia-me a face, acolhendo-me com atenção,
Mamãe,
Mamãe-televisão.

Ensina-me
Lições parabólicas
Antenadas em um mundo melhor.
Dorme comigo – me vicia, me ama, me diz o que comer,
o que fazer, o que gostar, o que viver.
Mamãe-mamãe
Mamãe-televisão
Estou sozinho e você me distrai.

22- Neste mundo
Não vivo neste mundo
Vivo embaixo de um arbusto
Num colorido profundo

Não vivo neste mundo
Vivo em águas rasas, onde meus pés
Tocam o fundo

Não vivo neste mundo
Meus pensamentos habitam
A beleza e o imundo
Não, não vivo neste mundo

23- Onde está deus
Onde estão seus olhos?
Onde estão para enxergar?
As pragas que nos assolam e
Milhões a morrer de fome?

Onde estão teus ouvidos?
Ouvidos que nada escutam.
Nada escutam das crianças
Desprovidas de nome

Onde está sua força?
Que com tufões, terremotos e chuvas,
Destrói campos e construções,
Apedreja as casas

Onde está sua bondade
Pois só se vê iniqüidade
Ver infantes-meninas-moças
Serem esfaceladas
Violentadas por infelizes

Como perdoar-lhe
Como perdoar-lhe ao pai
Como perdoar o abandono da prole?
Como perdoar-lhe, pai?

24- O pescador de palavras (Em silhueta)
O poeta nunca inventa
Observa o passar das águas
Odores vozes
Observa-as se movendo
Misturando os sentidos
Reciclando as experiências
E, calmamente,
Pesca palavras.

25- Porquanto
 Deixar tudo inacabado
Uma parte em cada parte
Nada que não seja parte de
Outra parte, em um incompleto jogo.

Parte partida espalha-se como
Bolhas de sabão,
Como a realidade,
Como se tudo fosse parte de
Outra parte.

Espalho pedaços de mim por aí
Que nada mais que são parte
De outras partes
Partes partidas de outras partes.

26- Rio
Quanta correria
Como uma turba inflamada
Carregando, e
Sendo carregada

Corre, corre apressado
Para onde vais, amigo?
Com tamanha pressa?
- Corro para vida, caro asceta.
E vais para lugar nenhum?
- Corro para vida, só ela me completa.
Sem destino? [tolo...
- Deveria ficar parado porque não tenho ponto final?
Claro, todos nós temos um objetivo real.
- Meu destino é renovar a vida, correr por entre as pedras, alimentar peixes e homens.
Ser ávida correr, qual artéria do coração (sinta, minha pulsação)
Encontro com o mar, cresço, descresço, afunilo, bifurco, morro, nasço - sem direção.

27- Ruy Guerra
Olhos fundos e cabelos de fogo.
Para de subir:
Não para o carro do ano, mas para um simples lodo,
Perdido na pista, em desengano
[ BÊÊÊÊÊÊÊÊ!!!

Quase morre atropelado,
Mas continua distraído,
No seu caminhar apressado.
Olhos fundos e cabelos de fogo.

Grita, brada, braveja,
Faz da vida uma imagem
Fornece tintas para vidas.

E com imagens brinca,
Traços, retas e cores
Declama poemas e fala de amores
Seus cabelos ficaram fundos,
E seus olhos de fogo salpicam,
Brilham e ardem
Fora da órbita ficam

Olhos fundos, cabelos de fogo,
Como é bom ver um humano
Cumprindo seu afã, como é bom ver Ruy Braga,
Esse maravilhoso tãntãn.

28- Saudade

Nunca me permiti a saudade.
Sempre quando me dá saudade,
lavo roupa.
Lavo o tempo. 
Saudade me parece um estado parnasiano de quem quer parecer belo
Pois a ausência tem beleza