sábado, 2 de maio de 2015

Antologia "Poemas do Delírio" (na Mansão Vida)




Asas

O ser humano com asas
Conversa com os pardais
Corteja as borboletas
E escuta, humilde, o carcará

O preço das asas é saber
Que outras inteligências chegaram antes
Ao dar os primeiros voos
Faz-se necessário flexionar-se
Aos seres que aprenderam a nascer do ovo
Partindo do abismo profundo da inconsciência
Nascem, sozinhos, buscando a luz


Hospício

De modo assaz curioso
O hospício é o local menos propício para cometer loucuras
No mundo exterior, as insanidades são perdoadas,
Nada como colocar a culpa na bebida
Ou receber uma leve sanção social

Mas se desconhece os códigos ocultos de um Centro Psiquiátrico
Ali, a loucura é medida e contabilizada com inclemência,
Volta-se contra você sob a forma de arramas, grades,
E um tempo solitário e escuro que parece infinito


Incenso

Curta lâmina de cera queimada
Imbuída da essência – de almíscar a patchuli
Carbonizava-se incessante
Insubmissa às brisas
Um vida destinada a perfumar o ambiente


A  vida

Os desígnios do universo escondem-se
Em nós, e, meu Deus, como é difícil encontrá-los
Havemos de ser humildes para encontrarmos nós mesmos
E corajosos para sermos o próprio esmeril
Lapidando nossas mentes
Por um tempo longo demais para ser medido
e ao qual chamamos de eternidade


Édipo

A pior fuga é de si mesmo,
Porque, no fim, encontra-se com um terceiro,
Que, este sim, obriga-te a ver a própria imagem
Tantas vezes pavorosa imagem
Visão incapaz de suportar os olhos, tanto que o ímpeto natural
É arrancá-los da face
Assim, faz-se necessário adiantar mais e mais esse encontro consigo mesmo
Para que se torne mais sutil e delicado o universo de reflexões em torno do que
Se foi, se é e do que será


Bambu

No mundo de vastidão infinita
O conhecimento é sempre curto
Resta-nos reconhecer
Aquilo não é "um bambu"
É bambu e, no fim, é.
Percebamos que nada nos separa do bambu para assim, no íntimo,
Reintegrar-se bambu
E sonhar, quem sabe, com o delírio onírico de recordar-se bambu

Insanidade

Rasguei-me a mente
Estilhacei-me a inteligência
Perfurei meus pés e mãos
Sem sentir dor, pois a loucura analgesia.
Experimentei o prazer e o poder infinitos
E toda a sedução de crer-se criador do universo

Ao recobrar a consciência desse longo sonho acordado
Sofri as penas de um mundo de cabeça para baixo
Revirado, retorcido, pilhado, revolto, que me repelia a existência
Nada disso jamais me vira antes
O avesso parecia a direção certa, mas já me era interdita a insanidade
O problema não é a loucura, o desafio é sair da loucura e
Enfrentar-se louco, colher os pedaços de uma vida destruída,
Colar e costurar cada parte retalhada,
recompor uma imagem que jamais será tão vívida
Esquecer toda a composição antiga para
Redesenhar uma nova paisagem pessoal e novo retrato de si mesmo