quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Onde as almas repousam

Caminhava o viajante
Caminhava por entre as estradas
Encarava a erma jornada
Com aparência rota e errante

Seguia concentrado
O seu passo compassado
Passo a passo
Passo a passo

Em pleno meio-dia
Com o sol no lombo e na testa
Foi avistado ao longe
Por uns olhos da cancela

Olhos que saíam da janela
Que não resistiram e indagaram
o viajante

Desculpe, meu caro,
Atrapalhar o seu itinerário
Mas posso saber qual é o destino
desse peregrino solitário?

O viajante caminhando
respondeu para os olhos da janela
- sem esperança que resposta houvesse -
Respondeu como uma prece

Pretendi dedicar minha vida
ando à procura de um lugar
o qual não sei onde fica
muito menos como chegar

Quero chegar aonde exista calma
Quero chegar aonde as almas repousam
Sem qualquer pretensão
No espaço que por certo existe
entre o sim e o não

Caro viajante amigo,
muitos procuraram em vão
No caminho não há abrigo
só tortura e solidão

Do caminho não tenho placa,
referência ou pista.
Vá caminhando pela frente
que o sol já está bem rente

E os dias passaram
passo a passo
passo a passo
deixando pra trás o cansaço

Sentindo uma leve brisa
que o refrescou
O viajante se pegou
com um sorriso no rosto

Caminhava em direção ao mar
Ouvindo seu murmúrio constante
Esperando encontrar um lugar
Bom para fisgar um peixe
e seguro para se recostar

Sentado à beira da ressaca
Escutou uma estranha fala
de uma estrela-do-mar
Ele disse ao viajante

Não sou estrela-do-mar
não sou biscoito, sou pepino
Todos me confundem
com meus familiares marinhos

Pepino, talvez possa me dar ajuda
Eu venho de muito longe
Atrás de uma longa busca
Quem sabe tu que vives no mar
Algum caminho é capaz de me dar

O que procuras, caro companheiro?
Acharei em minha sabedoria
qualquer coisa que aluda
um pista da sua busca

Olho sentado nesta pedra
esse distante horizonte
de azul-céu e azul-mar
onde vai dar meu olhar
Não quero nem um nem outro
Quero a ausência
Quero chegar aonde exista calma
e as almas repousam

Estranho ambulante,
não adianta pegar o barco
E para além-mar remar
Onde as almas repousam
não é no alto mar
Devem ser num lugar estranho
Não aqui no meu lar

E passavam os dias,
passo a passo
passo a passo
Viu paisagens, viu pássaros,
entoou canções
Brincou com borboletas
E até, por certo tempo, esqueceu sua jornada
Encontrou um dia na caçada 
uma série de aldeões

Perguntando sobre o paradeiro
do objetivo de sua vida
o caminho verdadeiro
o alvo de sua sina

O lugar onde o certo e o errado se eclipsam
Onde não existe nada
Só o lugar onde exista calma
O lugar onde as almas repousam

Os aldeões lhe responderam
com uma pressa moderada
que em sua aldeia havia um senhor
que esteve nessa alçada
Mas agora com eles vivia
E na aldeia fizera morada

O viajante encantou-se 
com tal notícia inusitada
Um ser que procura o lugar
onde exista nada
onde as almas repousam

Chegando à aldeia falada
Estranhou outros humanos
Conviver com pessoas
nunca foi parte dos seus planos

Correu à tenda do senhor
com quem via uma ligação,
uma ambição em comum

Perguntou, logo da entrada:
Senhor, o que fazes aqui?
Desistiu de sua jornada?
Abandonou conhecer o local
onde as almas repousam
onde existe o nada

Muita calma viajante,
sua viagem fora extenuante
Venha e coma um fubá de milho,
com esse humilde senhor, meu filho

Desculpe, prezado amigo,
não somos companheiros de jornada
eu procuro o local onde a lava congela
e a neve jorra
Eu procuro o local onde as almas repousam
e existe o nada

Pois, meu amigo,
o final dessa estrada
não é um evento final,
e sim a própria estrada,
que traça cada sinal
cada marca do seu corpo
é onde existe o nada
e onde sua alma repousa

Não é mais do que o caminho
os caminhos se traçam
sua vida é onde o mal beija o bem
onde o certo e o errado se entrelaçam

Sua mente é onde pode existir o céu junto ao mar
Sua mente não existe - existe o nada -
ali é onde sua alma repousa